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Entre Chamas e Saberes: Brigada Indígena que protege o Alto Xingu

  • Foto do escritor: Italo Brasileiro
    Italo Brasileiro
  • 5 de set.
  • 4 min de leitura

No Parque Indígena do Xingu, o fogo não representa só risco: também simboliza memória, cultura e resistência. Para os povos indígenas, como os Kamayurá, o fogo sempre foi uma ferramenta de vida. Ele ajuda a preparar a roça, fortalece o solo, renova a vegetação e participa dos rituais que mantêm a comunidade unida.


Mas o clima mudou. O que antes era controlado em queimas ao entardecer, apagando-se naturalmente durante a noite, hoje pode se transformar em incêndios que atravessam a madrugada e ameaçam aldeias, roças e florestas. Nesse cenário, tradição e ciência se encontram para fortalecer novas formas de cuidado com o fogo.

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O fogo na história e na cultura Kamayurá

O uso do fogo acompanha os Kamayurá há séculos. Ele está presente não só nas práticas agrícolas, mas também nas festas, histórias e rituais que organizam a vida coletiva. Nas casas, no preparo dos alimentos e nas cerimônias, o fogo é visto como energia vital.

Essa relação mostra que o fogo nunca foi visto apenas como destruição. Pelo contrário: usado com sabedoria, ele garante fertilidade, ordem e equilíbrio. É por isso que, para os povos do Xingu, manejar o fogo é também manejar a vida.

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Como nasceu a Brigada Kamayurá

Marcello, da etnia Kamayurá e morador da Aldeia Morená, é conselheiro da Brigada Kamayurá e representa sua comunidade no Conselho da Aliança da Terra. Ele conta que a ideia da brigada nasceu da preocupação dos mais velhos:


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“Nossos avôs tinham uma riqueza enorme de conhecimento sobre a agricultura, a caça, a pesca e o uso das raízes medicinais. Eles sempre diziam que, para conservar uma boa terra, era preciso proteger o território e saber usar o fogo de forma correta. Daí surgiu a vontade de formar uma brigada aqui, com membros da própria comunidade, para garantir que esses saberes continuem vivos.” – Marcello Kamayurá


Criada em 2013, a Brigada Kamayurá é fruto do encontro entre tradição indígena e apoio técnico, fortalecendo a autonomia das comunidades no combate e na prevenção de incêndios. Ela também nasceu como um grito de socorro diante das pressões ambientais. O cacique Kotók foi quem esteve à frente da iniciativa junto com a Aliança da Terra, após vivenciar queimadas descontroladas que atingiram tanto áreas de roça quanto às áreas de moradia, como consequência da falta de acesso a novas técnicas de manejo integrado do fogo.

Combate de incêndio em 2015 na Aldeia Morená
Combate de incêndio em 2015 na Aldeia Morená

Essa parceria entre a Aliança da Terra e a comunidade Kamayurá tornou-se pioneira no Alto Xingu, unindo saberes ancestrais e ciência em defesa do território.


Autonomia como caminho

Uma das grandes dificuldades enfrentadas p elas comunidades indígenas é a imposição externa, seja de instituições públicas ou privadas, que chegam acreditando poder trazer soluções prontas, sem considerar os fatores locais, culturais e sociais. Essa postura ignora a autonomia das comunidades e a forma como elas compreendem o ambiente, que vai muito além de números e estatísticas.

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O trabalho da Aliança da Terra junto a Brigada Kamayurá aponta para outro caminho: fortalecer a autonomia comunitária. É a própria comunidade que decide como manejar o fogo, quando queimar, quais áreas proteger e como equilibrar agricultura, caça, pesca e floresta. Parcerias externas são importantes, mas só fazem sentido quando respeitam o território e dialogam com os saberes locais.


Treinamento e futuro

Em agosto de 2025, a Brigada Kamayurá participou de um treinamento intensivo de três dias, promovido pela Aliança da Terra. A Brigada Aliança, que atua há mais de 15 anos em ações de combate e prevenção, conduziu a capacitação, compartilhando experiências e técnicas de queima controlada, construção de aceiros, monitoramento e primeiros socorros.

Por meio de projetos e editais, a Aliança da Terra auxilia no fortalecimento da Brigada Kamayurá. Esse treinamento já vinha sendo solicitado pela comunidade há pelo menos dois anos, mas, por falta de projetos aprovados e apoiadores, não havia sido possível realizá-lo até então.

A diretora Geral da Aliança da Terra, Carolina Nóbrega, comenta: 

“A realização desse treinamento este ano nos deixou muito felizes. Há cerca de dois anos a Brigada Kamayurá já vinha solicitando essa capacitação. Novos guerreiros chegaram à Brigada e é essencial que sejam devidamente preparados. Nos últimos anos, a Brigada Kamayurá foi mantida com um orçamento muito limitado, já que não tivemos projetos aprovados para custear suas atividades. Este ano, a doação de uma fundação internacional foi fundamental para viabilizar o treinamento da equipe. Quando falamos em fogo, é essencial garantir linhas de financiamento que permitam ações locais de médio e longo prazo. Uma brigada precisa ser continuamente capacitada, assim como equipamentos de proteção, manutenção de ferramentas e veículos, combustível e outros custos precisam ser garantidos anualmente, e não apenas de forma pontual.”

Mais do que um treinamento, foi um espaço de troca. Cada aprendizado técnico se encontrou com o saber ancestral, reforçando que o verdadeiro manejo integrado do fogo acontece quando ciência e tradição caminham lado a lado.

Marcello, resume essa visão de futuro:

“O futuro da nossa comunidade depende da união, de cada um fazendo sua parte, mas também do apoio de parceiros e instituições. Quando temos treinamento, estrutura e conhecimento, unindo a ciência e o saber indígena,  conseguimos preservar nossa cultura, nossas florestas e até o clima para o mundo inteiro.”

Fogo como proteção e futuro

A experiência no Xingu mostra que não há solução duradoura quando o fogo é tratado apenas como inimigo. É preciso reconhecer seus significados culturais, ouvir quem vive no território e unir saberes para transformá-lo em aliado.


Formação de Brigadista em 2013
Formação de Brigadista em 2013

O Manejo Integrado do Fogo de Base Comunitária (MIFBC) reforça exatamente isso: só funciona quando a decisão nasce do território, com o envolvimento direto das comunidades, respeitando sua autonomia e seus modos de compreender o ambiente. Ainda há muito a ser melhorado, mas é necessário o empenho de todos, porque preservar comunidades tradicionais é também cuidar de ambientes que atuam como reguladores do clima em tempos de grandes pressões ambientais.

Formação de Brigadista em 2025
Formação de Brigadista em 2025

Ainda existem muitos desafios pela frente, mas o compromisso coletivo é fundamental. Proteger as comunidades tradicionais significa também cuidar de ecossistemas que regulam o clima em um contexto de crescentes pressões ambientais. Há mais de dez anos, a Aliança da Terra caminha lado a lado com os povos indígenas do Xingu, fortalecendo sua autonomia e mostrando que, quando ciência e tradição se unem, o fogo deixa de ser ameaça e se transforma em vida, proteção e futuro.


 
 
 

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