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Um modelo para a cooperação na Amazônia

Ações da Aliança da Terra são destaque em Fórum Internacional sobre estratégias para prevenir a retração florestal da Amazônia



Até quando a Amazônia pode aguentar as ações dos humanos? Quais seriam as consequências de uma retração florestal permanente da maior floresta tropical do mundo? Essas e outras questões foram abordadas no Global Landscapes Forum (GLF), hoje um dos principais ambientes de discussão sobre o futuro da região, reunindo (virtualmente, por enquanto) especialistas de diferentes áreas em todo o mundo. Uma das vozes ouvidas foi a da gerente-geral da Aliança da Terra, Caroline Nóbrega. No último dia 21 de setembro, ela participou dos debates no no painel “Amazon Tipping Point” -- o ponto crítico da Amazônia, numa tradução livre – em que foram discutidos a ciência, impactos e soluções para evitar que a deterioração ambiental do bioma se torne irreversível, com impactos globais.


Para Caroline, a colaboração entre as comunidades, governo e setor privado é essencial para desacelerar e possivelmente, evitar a degradação florestal da Amazônia. “Produtores, indígenas, todos devem agir”, explicou Caroline. “Nós vemos esses grupos como parte da solução. Nós trabalhamos com eles ombro a ombro. Precisamos dessa conexão com todos.”


O trabalho da Aliança da Terra com comunidades locais e indígenas foi destacado como essencial para o combate de incêndios em reservas, áreas de plantio e regiões de difícil acesso. Um exemplo da importância do treinamento e colaboração é a Brigada Kamayurá, uma brigada 100% indígena que atua no Parque do Xingu, no Mato Grosso. Em 2013 o líder do povo Kamayurá, cacique Kotok, solicitou apoio da Brigada Aliança para auxiliar seu povo que tradicionalmente realizava a queima das roças, mas que de forma cada vez mais frequente, passou a perder o controle do fogo que “pulava” para a floresta, dando início a grandes incêndios.


Em 2014, a Brigada Aliança, com apoio do Serviço Florestal dos Estados Unidos (USFS), realizou o treinamento de brigadistas de diversas etnias do Parque do Xingu. Desde então a Brigada Aliança tem apoiado e coordenado as ações da Brigada Kamayurá. Nos últimos anos, apesar de a Brigada Aliança continuar financiando toda a logística dos combates na terra indígena por meio de projetos da ONG, os brigadistas kamayurá alcançaram a autossuficiência e passaram a realizar as queimas de roça e controle de incêndios, sem a presença dos líderes da Aliança da Terra.


Brigada Kamayurá


O manejo do fogo, assim como o controle do desmatamento são peças chave para evitar que a floresta Amazônica chegue ao seu limite. Soluções como as brigadas de incêndio locais mostram que é possível evitar o pior. Criada em 2004 para apoiar agricultores e produtores e para promover proteção ao meio ambiente, a Aliança da Terra conta com brigadistas em biomas como o Cerrado, Pantanal e Amazônia. A ONG também providencia treinamentos, certificações e outros materiais para as comunidades. “Não podemos agir somente quando tem um incêndio”, explicou Caroline. “Temos que trabalhar em campo todos os dias para preveni-los”.


“A Amazônia não vai queimar a não ser que alguém coloque o fogo”, afirmou Ane Alencar, diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM), também participante do painel. Segundo ela, os altos níveis de umidade na floresta Amazônica previnem que o fogo se espalhe sem controle. A queima da floresta para a abertura de pastos, no entanto, deixa rastros de combustível que, em meses secos, podem causar grandes incêndios. “Para evitar esses incêndios, nós temos que reduzir o desmatamento e investir em práticas que diminuem a ameaça do fogo”.


Segundo Ane, com novas tecnologias de monitoramento, agora é possível rastrear os danos do fogo na Amazônia. “Existe uma diferença importante entre monitoramento do desmatamento e o monitoramento dos incêndios. Com desmatamento, nós vemos uma mudança imediata. Com o fogo, não é assim; o fogo é passageiro.” Outras ferramentas mais sofisticadas têm permitido pesquisadores a criarem mapas que Ane diz serão fundamentais para entender a degradação da Amazônia pelo fogo.


Para Paulo Brando, professor da Universidade da California Irvine e um dos maiores especialistas globais no tema, o papel da comunidade internacional em limitar as próprias contribuições para a perda de florestas e incêndios, assim como ajudar na estabilização do clima em geral, é significativo. “Quanto mais equilíbrio do clima temos, menor são as chances de incêndio na Amazônia”, disse. Segundo Brando, incêndios amplificam as mudanças que já estão em andamento na floresta devido às mudanças climáticas, e também liberam mais carbono na atmosfera, contribuindo para o aquecimento global. “E mesmo que a floresta pode crescer após as queimadas, é muito mais fácil controlar e administrar incêndios”, explicou o professor.


Caroline Nóbrega em sua participação no GLF


Nos últimos anos, desmatamento e incêndios na Amazônia tem aumentado em um ritmo alarmante. Em 2020, foram registrados os maiores números de incêndio em mais de uma década. De acordo com Daniel Nepstad, fundador e diretor executivo do Earth Innovation Institute, que moderou o painel com os especialistas e tem liderado pesquisas na resposta da floresta Amazônica em secas e incêndios. Florestas como a Amazônia são altamente tolerantes às secas por terem a habilidade de absorver umidade 15 metros abaixo do solo. Tal resiliência, juntamente com estratégias de intervenção eficaz, oferece razões para acreditar que o pior ainda pode ser evitado.


“A Amazônia está sendo desmatada em um ritmo de 11.000 km quadrados por ano”, explicou Nepstad. “Mas ao trabalharmos juntos, baseados na ciência, será possível evitar o retrocesso florestal ou até mesmo revertê-lo.” Ao mitigar os fatores que contribuem para a retração florestal, com a administração eficaz de incêndios e o combate ao desmatamento ilegal, nota Nepstad, podemos ajudar a floresta a voltar ao seu ciclo natural. Ele mencionou o trabalho da Aliança da Terra para contradizer a narrativa de que “todos estão contra todos” na Amazônia. “Nós temos a tecnologia que nos permite resolver este problema, que nos permite acabar com incêndios antes que eles aconteçam. Só dependemos de cooperação”, completou.


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